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terça-feira, 28 de abril de 2020

Como crise do coronavírus expõe racha entre evangélicos no Brasil

Cultos religiosos, que costumam receber centenas ou até milhares de pessoas, podem se transformar em um local de transmissão em massa - assim como jogos esportivos, protestos e festas
© Reprodução/Facebook Templo de Salomão Cultos religiosos, que costumam receber centenas ou até milhares de pessoas, podem se transformar em um local de transmissão em massa - assim como jogos esportivos, protestos e festas
O teólogo Kenner Terra, do Espírito Santo, teve que lidar com uma enxurrada de críticas e comentários agressivos de outros evangélicos quando publicou um texto defendendo o isolamento social para combater o coronavírus.

Coordenador do Fórum Evangelho e Justiça no Espírito Santo, Terra é pastor de uma igreja batista que está entre as que defendem as medidas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMSA) para evitar a disseminação da covid-19. 

Em contraste com líderes evangélicos conhecidos que vieram a público criticar o isolamento e defender a abertura das igrejas, diversos pastores das mais diferentes denominações defendem a suspensão de cultos presenciais e estão disponibilizando cultos online, enviando cartas e promovendo eventos e debates na internet sobre a importância dos cuidados diante da pandemia.
"Mas é uma minoria", diz Terra. "Só de você estar considerando as recomendações da OMS já é quase como um 'ato de resistência'", diz ele.
As igrejas estão divididas. De um lado líderes que defendem o fim do isolamento, a manutenção dos templos abertos e os cultos presenciais — destes, alguns até entraram em disputa com o Ministério Público do Rio de Janeiro pelo direito de manter as igrejas abertas. Do outro lados, líderes que fecharam os templos, fazem cultos online e pedem para os fiéis orarem em casa.
Para teólogos e sociólogos evangélicos ouvidos pela BBC News Brasil, essa divergência sobre o coronavírus expõe uma divisão nesse grupo religioso que se acentuou durante os últimos anos, à medida que o presidente do país, Jair Bolsonaro, assumia, cada vez mais, uma "aura de autoridade religiosa".
Eles dizem que, do lado dos que minimizam a ameaça da crise, estão, em geral, grupos que se alinham com o projeto Bolsonarista e o acompanham na forma de lidar com a pandemia; de outro, estão grupos que não aderiram ao que Kenner Terra chama de "bolsoreligiosidade".
Mas a situação embaralhou as divisões "clássicas" que normalmente se fazem dos evangélicos — entre os grupos de heranças protestantes mais tradicionais (como metodistas, batistas e presbiterianos) e os neopentecostais e pentecostais (igrejas como a Assembleia de Deus e a Universal).
Grupos evangélicos no Brasil são heterogêneos© Getty Images Grupos evangélicos no Brasil são heterogêneos
Ou seja, não é possível separar a postura por tradição religiosa — dentro desses segmentos há uma divisão. Na igreja metodista, por exemplo, que em geral têm defendido o isolamento, há líderes divergentes.

Alinhamento com Bolsonaro

Segundo uma pesquisa recente do instituto Datafolha, os evangélicos continuam sendo um dos setores onde Bolsonaro tem aprovação. E, embora a maioria dos evangélicos no Brasil seja a favor das medidas de isolamento, o índice dos que são contra o isolamento e acham que a população deve sair para trabalhar (de 44%) é maior entre esses religiosos do que na população em geral (37%).
"Penso que o alinhamento ao projeto de Bolsonaro tem uma relação mais direta com a polarização entre conservadores (direita) e liberais (esquerda)", explica o teólogo conservador Guilherme de Carvalho, diretor do grupo de estudos L'Abri Fellowship Brasil e ex-diretor de educação em direitos humanos do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.
No entanto, ressalva, a crise do coronavírus fez com que o apoio a Bolsonaro e às medidas de isolamento não seja unânime nem entre os conservadores, afirma Carvalho, que também é membro do conselho deliberativo do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR).
"Posso dizer que há muitos conservadores católicos e evangélicos que não estão de modo algum alinhados com Bolsonaro na questão do coronavírus, tanto fora quanto dentro do governo, inclusive", diz ele, que deixou o ministério no mês passado.
Líderes da igreja Batista de Lagoinha, por exemplo, frequentada pela ministra Damares Alves, ao mesmo tempo que apoiaram o dia de jejum convocado por Bolsonaro ("para que o país fique livre desse mal"), têm feito cultos online, chamando os fiéis para ficarem em casa e criticado pastores que não fazem o mesmo.
"A covid-19 rachou o suporte evangélico transversalmente, em todas as denominações, excetuando-se as mais autocráticas (centradas na figura de líderes religiosos específicos)", afirma Carvalho.

Fator Moro

Outro fator recente que evidenciou o divergência entre as igrejas foi o pedido de demissão do ex-ministro da Justiça Sergio Moro.
A saída de Moro foi vista com desaprovação por boa parte da comunidade evangélica, explica Carvalho, que vê Moro como símbolo de combate à corrupção.
"Muitos ficaram bem desgostosos com esse processo todo, fazendo com que a posição de muitos evangélicos tenha se movimentado um pouco mais para a oposição", diz ele.
Até líderes que fazem parte da base mais fiel de apoio ao presidente — como o pastor Silas Malafaia — criticam a saída do ministro.
E entidades importantes e normalmente próximas ao governo Bolsonaro, como a Associação dos Juristas Evangélicos (Anajure), viram com descontentamento a saída do ministro. A Anajure emitiu uma nota de repúdio à "interferência do presidente na direção-geral da Polícia Federal".
No entanto, muitos pastores ainda se mantém fiéis à "bolsoreligiosidade".

Líderes midiáticos

A pesquisadora metodista Magali Cunha, do grupo Comunicação e Religião da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), explica que são esses líderes mais "midiáticos" — nomes como Silas Malafaia (da Assembleia de Deus Vitória em Cristo) e Edir Macedo (Igreja Universal do Reino de Deus) — que têm sido os mais vocais na crítica às medidas de isolamento e mais negacionistas em relação à ameaça representadas pelo coronavírus.
Macedo compartilhou um vídeo em que dizia que o coronavírus não era uma grande ameaça. "Meu amigo e minha amiga, não se preocupe com o coronavírus. Porque essa é a tática, ou mais uma tática, de Satanás" dizia ele.
A Frente Parlamentar Evangélica também defendeu que as igrejas fiquem abertas.
"É fundamental que os templos, guardadas as devidas medidas de prevenção, estejam de portas abertas para receber os abatidos e acolher os desesperados", disse o grupo em nota emitida há algumas semanas.
"A fé ajuda a superar angústias e é fator de equilíbrio psicoemocional", afirma a bancada.
A BBC News Brasil tentou falar com o presidente da bancada, o deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), e com líderes religiosos contrários ao fechamento dos templos, mas não obteve resposta.
A Igreja Universal disse em nota que serviços religiosos foram considerados essenciais por decreto presidencial e que está tomando medidas de "cautela sanitária", como oferecer álcool em gel e pedir para que os fiéis sentem longe uns dos outros nos locais onde os cultos ainda estão sendo realizados — eles foram suspensos nos Estados que os proibiram.
"Nas localidades onde está proibida a realização de cultos em templos religiosos, a Universal está aberta apenas para orações individuais e auxílio espiritual, e observando todas as cautelas sanitárias", diz a igreja.
"Percebe-se que um dos principais grupos que estão contra a medida (de isolamento social) são igrejas sem uma organização mais coletiva, governadas por líderes únicos com uma liderança mais personalistas — figuras sempre envolvidas em polêmicas que acompanham politicamente as orientações do presidente", afirma Cunha.
O próprio presidente, dizem os teólogos, acabou se transformando em uma figura de "autoridade religiosa", capaz de influenciar o posicionamento de pastores e fiéis.
Guilherme de Carvalho considera que esse fator é a principal motivação dos grupos contrários ao isolamento social.
"Bolsonaro claramente tem uma aura de autoridade religiosa. Essa aura foi evidentemente cultivada e explorada na 'Santa Convocação' ao jejum do dia 5 de abril, com um vídeo bastante divulgado em redes sociais com palavras de apoio de importantes lideranças evangélicas", afirma Carvalho.
Apoiaram o jejum lideranças importantes das mais variadas denominações religiosas: as igrejas Sara Nossa Terra, Mundial do Poder de Deus, Renascer em Cristo, Presbiteriana do Brasil, Quadrangular do Reino de Deus, Batista Getsêmani e outras igrejas batistas.
"Essa autoridade foi conferida pelas próprias autoridades religiosas, embora, a essa altura, tenha ganhado certa independência", diz ele.
Nesse contexto, explica, Bolsonaro é visto como representante de certos valores morais caros a esses grupos e qualquer oposição a ele é vista como sendo feita por "inimigos da fé".
"É o voto de confiança turbinado pela religiosidade", diz ele, para quem esse apoio também é perpassado por um temor entre os conservadores de que "o enfraquecimento de Bolsonaro permita a ascensão da esquerda".
"É o que eu chamo de 'bolsorreligiosidade', que tem em Bolsonaro uma figura sagrada, a fala dele representa a leitura de mundo que deve ser seguida", explica Kenner Terra.
"Há uma tendência de tornar esse apoio ao Bolsonaro em um ato piedoso: é óbvio que apoiá-lo é defender a família, quem não o apoia é inimigo, não é ouvido, precisa ser exorcizado e silenciado."
Membros da bancada evangélica do Congresso se reúnem com o presidente Jair Bolsonaro e ministros em Brasília antes da pandemia© Agência Brasil Membros da bancada evangélica do Congresso se reúnem com o presidente Jair Bolsonaro e ministros em Brasília antes da pandemia
"Bolsonaro identificou que precisava do apoio dos evangélicos nas eleições e certos grupos evangélicos perceberam que poderiam usar isso para conseguir benefícios", explica. "É preciso lembrar que muitos desses religiosos apoiaram Dilma e Lula quando foi conveniente", afirma.
Carvalho vê uma origem diferente para essa autoridade que acabou sendo conferida ao presidente — uma espécie de vácuo de autoridade que o político soube aproveitar.
"Suas raízes estão, naturalmente, na necessidade de uma representação política que considere alguns valores cristãos importantes, como a família, a justiça, a honra a autoridades e a símbolos que promovam coesão social, e que deixe de marginalizar a voz cristã, erro sistematicamente cometido em governos anteriores", diz ele.
"Bolsonaro, corretamente, se lembrou de que existem milhares e milhares de igrejas no Brasil. Levou a sério os argumentos em favor da liberdade de religião ou crença, e as proteções especiais que essas liberdades recebem na Constituição Federal. Na verdade esse é um ponto a favor de Bolsonaro, e não contra", afirma Carvalho.
Carvalho defende o isolamento social como forma de combater o coronavírus, mas afirma que as autoridades estaduais e municipais, o Ministério Público e a imprensa não "compreendem a importância histórica e social da liberdade religiosa" e que muitos desses grupos estão com medo de perderem a liberdade de culto.
"Se alguém deseja enfraquecer a forma caricatural de conservadorismo representada por Bolsonaro, existe um e apenas um caminho: abrir diálogo com as igrejas evangélicas", diz ele.

Questão econômica

Segundo os analistas, há um setor, que inclui esses líderes, para quem a questão econômica é uma das motivações para a hesitação diante das medidas de isolamento.
"Há um medo das igrejas, porque a entrada financeira acontece principalmente nos cultos presenciais, há o risco da entrada ser menor, e há uma série de compromissos financeiros, aluguel dos templos, salários dos pastores, etc" afirma Kenner Terra.
"Em uma reunião que fui com o governador do Espírito Santo, 70% dos pastores tinham isso como principal preocupação, perguntaram se o Estado iria dar ajuda financeira para as igrejas."
Bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, pediu que seus fiéis não leiam notícias sobre o coronavírus© Reprodução/Instagram Bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, pediu que seus fiéis não leiam notícias sobre o coronavírus
"Não é diferente dos grandes empresários brasileiros que estão pedindo o fim do isolamento, é uma questão de fundo econômico. Eles vivem disso, não querem perder mercado. (O isolamento) interfere na estrutura de recolhimento de oferta", afirma o sociólogo Clemir Fernandes, do Instituto de Estudos da Religião (Iser).
Magali Cunha diz que "não podemos colocar na mesma balança" grandes conglomerados de igreja que possuem bens, influência política e até meios de comunicações, com igrejas menores, que funcionam com base nas doações do dia a dia.
"Muitas vezes é uma igreja que funciona em uma lojinha, em uma garagem, essas neopentecostais que surgem a rodo. Não podem ser comparados com esses líderes que têm compromissos público com uma agenda bolsonarista", diz ela.
"É verdade que alguns líderes de grandes igrejas tem feito muita pressão para manter abertas as igrejas, e pelo menos em alguns casos podemos especular que isso tenha relação com a sustentação financeira dessas igrejas. De certo modo, não difere muito do argumento de alguns empresários", afirma Guilherme de Carvalho.
"Mas tenho a impressão de que, para a maior parte das pequenas congregações, essa realmente não é a grande questão. Ouvi falar pouco sobre isso, entre pastores. A maior preocupação parece ser mesmo a ameaça à liberdade de culto", diz ele.
Pastores preocupados com a disseminação do coronavírus dizem que a solução para cumprir os compromissos econômicos é receber doações de outras formas, e que, embora legítima, essa preocupação não pode passar na frente da segurança e da vida.
Muitas doações têm migrado para a internet. A plataforma EuIgreja, que permite que os fiéis contribuam virtualmente, teve um aumento de 600% em inscrições de igrejas nas últimas três semanas, segundo Rafael Lazzaro, um dos sócios. Já são mil comunidades religiosas inscritas, incluindo a Igreja Metodista, a Igreja do Narazeno e a Assembleia de Deus.
Essa questão já levou inclusive a rusgas públicas entre líderes religiosos importantes. A pastora Ana Paula Valadão, da Igreja de Lagoinha, criticou pastores que não fecharam as portas e sugeriu que eles façam a coleta das doações pela internet. "Tá com medo de perder o quê? Arrecadação financeira?", disse ela.
Isso gerou uma resposta de Silas Malafaia. "Nunca cobrei um centavo para pregar o Evangelho", disse ele, que qualificou a crítica das pastora como uma "fala do inferno no nosso meio" e afirmou que "a igreja é o último reduto" das pessoas em tempos de crise.

Alas progressistas

Entre as igrejas evangélicas, os primeiros a defender o isolamento e transferir os cultos e estudos bíblicos para a internet foram os chamados grupos "progressistas", não alinhados ao presidente.
O pastor Henrique Vieira, líder religioso de esquerda visto no Rio de Janeiro como um "anti-Malafaia", tem feito toda sua pregação pela internet e veio a público criticar o jejum proposto pelo presidente.
"Abstinência de alimentos não parece o mais razoável em tempos de fortalecer nossa imunidade", diz ele, que fez um vídeo para explicar "o verdadeiro sentido do jejum religioso".
"A gente identifica claramente que as igrejas que apoiam as medidas preventivas são as que têm como base teológica do compromisso social" afirma Magali Cunha. "Historicamente trabalham temas como responsabilidade cristã, fazem trabalho social, têm uma preocupação de responder as demandas que surgem da sociedade."
O pastor Ricardo Gondim, da Igreja Betesda, em São Paulo, tem feito alertas diários no Twitter sobre os perigos da pandemia.
"Precisamos, urgente, dar nome, mostrar foto e contar a história das pessoas que morreram de covid", escreveu na quarta-feira (22). "Enquanto a discussão ficar nas futricas do Palácio e os números forem estatísticas frias, mais pessoas se manterão indiferentes."
Kenner Terra lamenta que a ala progressista da igreja evangélica tenha menos visibilidade. "São grupos menores, menos articulados e também que não são donos de grandes meios de comunicação", afirma. "Também é difícil você juntar pessoas muito críticas."

Fé e ciência

No vídeo em que duvida da gravidade do coronavírus, o pastor Edir Macedo mostra o trecho de um vídeo de um médico patologista que contraria a comunidade científica, o Ministério da Saúde e a OMS e diz que "de coronavírus a gente não morre".
"Fica aí o recado do doutor, que é cientista e tem fundamentos científicos para falar o que ele falou com certeza", diz o líder religioso no vídeo.
Mais de 210 mil pessoas já morreram por causa do covid-19 no mundo, mais de 4,5 mil delas no Brasil.
Para o sociólogo Clemir Fernandes, do Iser, o fato de muitos dos argumentos de religiosos e mensagens compartilhadas nas redes sociais trazerem supostos dados científicos, pesquisas e nomes de pesquisadores (muitas vezes incorretamente), mostram que o que existe não é uma descrença da ciência em si, mas uma tendência a acreditar somente naquilo que confirma uma visão já existente.
"Muitas das pessoas que defendem o uso da cloroquina (remédio que está sendo testado e ainda não tem eficácia comprovada) compartilham pesquisas que foram feitas com a substância, por exemplo", diz ele. "Se fosse uma descrença total por causa da religião, isso não aconteceria."
Ou seja, é problema muito mais de posicionamento político e ideológico do que a dificuldade em encaixar a ciência com a espiritualidade.
Para Guilherme de Carvalho, o fato de a "atitude leviana em relação à opinião científica e acadêmica" por parte do presidente não enfraquecer o suporte a Bolsonaro pode ter relação com o fato de a comunidade acadêmica "conversar pouco com a religião brasileira".
Segundo ele, isso "contribui perversamente para que a religião opere como referência única de verdade".
"Nesse deserto sem respeito a autoridades e sem cooperação, florescem teorias conspiratórias e o espírito do populismo. Assim, entre um líder político 'ungido' pelos líderes religiosos, e uma academia e uma imprensa que sempre jogam contra a fé, o povo tenderá a seguir esse líder político", afirma.
"Eu diria que o desprezo à opinião científica que se tornou tão gritante nas últimas semanas foi intensificado por uma inimizade desnecessária entre fé e ciência do qual os culpados são tanto a universidade Brasileira quanto os líderes religiosos evangélicos", afirma.



BBC News


sábado, 22 de fevereiro de 2020

O que está por trás da crise na segurança pública do Ceará

Força Nacional patrulha ruas de Fortaleza em meio à crise na segurança pública
© Reuters/Stringer Força Nacional patrulha ruas de Fortaleza em meio à crise na segurança pública
Pressão por maiores salários, disputa política local e perspectiva de anistia alimentam motim de policiais militares. Desde o início da paralisação, estado nordestino registrou média de um assassinato por hora.

Força Nacional patrulha ruas de Fortaleza em meio à crise na segurança pública
Policias militares, encarregados de manter a ordem e a lei, se tornaram nesta semana pivô de caos e violência no Ceará. Insatisfeitos com uma proposta de reajuste salarial, parte dos policiais da cidade de Sobral se amotinou, ocupou quartéis com capuzes que escondiam seus rostos e ordenou que o comércio fechasse as portas.

O auge da tensão ocorreu na quarta-feira (19/02), quando o senador licenciado Cid Gomes (PDT) foi atingido por dois disparos de arma de fogo ao tentar entrar, com uma retroescavadeira, num batalhão da Polícia Militar ocupado pelos amotinados. Cid, irmão do ex-governador do Ceará e ex-candidato à Presidência Ciro Gomes (PDT), já deixou a UTI do hospital e passa bem.

Os policiais protestam contra a proposta apresentada pelo governo de Camilo Santana (PT) que aumenta o salário dos soldados de 3.475 reais para 4,5 mil reais, escalonado em três vezes até 2022. Eles querem o reajuste total imediato e um plano de carreira.

A Constituição proíbe greves de policiais militares, restrição confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017. Ainda assim, há diversos casos registrados de paralisações de agentes nos últimos anos no país, em geral seguidos de picos de violência.

Entre as manhãs desta quarta e sexta-feira, o Ceará registrou 51 assassinatos – uma média de 25,5 por dia (ou mais de um por hora), mais do que quatro vezes a média estadual até então neste ano, de seis homicídios diários.

Na tentativa de controlar os policiais amotinados e garantir a segurança pública no estado, o ministro da Justiça, Sergio Moro, autorizou o envio da Força Nacional de Segurança, e o presidente Jair Bolsonaro editou um decreto que autoriza o uso das Forças Armadas para Garantia da Lei e da Ordem no estado.

A cena de comércios fechando portas mais cedo por ordem de homens encapuzados e a escalada da violência no Ceará lembraram a crise de segurança pública que atingiu o estado em janeiro de 2019, quando uma onda de ataques a veículos, prédios públicos, comércios e instalações de infraestrutura também exigiu o envio da Força Nacional de Segurança.

A crise do ano passado, porém, havia sido provocada por um conflito entre facções criminosas que disputavam o controle do tráfico de drogas, e eclodiu após o estado se tornar um dos mais violentos do país. Os episódios deste mês não têm, até o momento, relação com facções criminosas, e acontecem após o Ceará ter reduzido significativamente o número de homicídios.

A situação da violência no Ceará
No Atlas da Violência de 2019, que compilou dados de 2017, Fortaleza despontou como a capital mais violenta do país, e o estado do Ceará alcançou a terceira maior taxa de homicídios do Brasil, 48% superior à do ano anterior.

Naquele momento, o aumento da violência se relacionava à crescente atratividade do Ceará como via de exportação de drogas, em função de a região de Fortaleza ter ganhado um novo porto e se tornado um hub para companhias aéreas que fazem trajetos para a Europa.

Essa facilidade de conexão com países europeus chamou a atenção de facções criminosas. O Primeiro Comando da Capital (PCC), originado em São Paulo e já presente no estado, passou a investir no tráfico de drogas no atacado e entrou em confronto com facções cearenses aliadas ao Comando Vermelho, do Rio de Janeiro, afirmou à DW Brasil o pesquisador Bruno Paes Manso, do Núcleo de Estudos da Violência da USP e autor do livro A guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil.

Em 2016, surgiu no Ceará uma nova facção, a Guardiões do Estado, próxima do PCC e formada por integrantes mais jovens e muito violentos, que entrou em conflito com o Comando Vermelho, com chacinas de pessoas inocentes e vinganças seguidas entre os dois grupos. Esse confronto, segundo Paes Manso, elevou o número de homicídios no estado e atingiu seu ápice em 2018.

Em 2019, no início do governo Camilo Santana, o novo secretário de Administração Penitenciária decidiu mudar as regras de disciplina em presídios e de separação das facções, o que promoveu uma série de revoltas entre os presos e deflagrou a onda de violência.

"Houve mais de 300 ataques na capital e na região metropolitana, quase terroristas, com bombas em viadutos, incêndios em ônibus. As pessoas ficaram em pânico", lembra Paes Manso.

Durante essa reação, os grupos rivais se uniram para atacar as forças do estado, e dali nasceu uma trégua entre as facções que acabou levando a uma "redução sem precedentes" do número de homicídios. Em 2019, o Ceará foi o estado que registrou a maior queda no número de assassinatos no país, de cerca de 50%. Agora, "o [governador] Camilo ainda estava festejando essa queda, e veio a crise dos policiais", relata Paes Manso.

As circunstâncias do levante da polícia
O motim dos policiais militares cearenses tem como motivo declarado a pressão por maiores salários, mas também inclui um componente da disputa política local, afirma Rafael Alcadipani, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

"O líder dos policiais amotinados, Cabo Sabino, faz oposição ao governador do Ceará. Há uma questão política para tentar desestabilizar o governo, que estava indo bem na redução dos índices criminais", diz.

Para Alcadipani, o fato de Bolsonaro ser o atual presidente da República também ajuda a criar um "clima positivo" para os policiais amotinados. "Bolsonaro e seu grupo têm historicamente apoiado policiais amotinados pelo país, propondo anistias. Ele tende a ter mão leve nessas situações. O próprio Bolsonaro foi um amotinado, e por isso foi expulso do Exército", afirma.

O professor da FGV acrescenta uma questão de fundo que ajuda a fomentar a insatisfação dos policiais: a baixa remuneração e a falta de estrutura de polícias de todo o país, incluídas as do Nordeste. Mas ele diz que isso não pode justificar atos como os do Ceará.

"É importante, primeiro, ter uma polícia bem estruturada, para que não haja motivos para greve. Agora, na medida em que isso acontece, é preciso agir com mão dura. Isso não pode acontecer, é muito grave uma polícia se amotinar contra a população", afirma. Para Alcadipani, os policiais encapuzados filmados ordenando o fechamento do comércio em Sobral agiram como criminosos e deveriam ser presos e expulsos da corporação.

Paes Manso concorda que é necessária uma reação exemplar contra os policiais amotinados. "Eles devem ser punidos e demitidos, não se pode aceitar esse tipo de chantagem criminosa", afirma, lembrando que há cerca de 500 mil policiais armados no país. "E se eles quiserem mandar no país, como vai ser? Se os governadores perderem o controle, teremos uma situação difícil."

O pesquisador da USP também cita o reajuste de até 47% concedido aos policiais pelo governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), apesar de o estado estar em crise fiscal, como estímulo ao motim no Ceará.

"Ele assumiu prometendo rigor fiscal, mas é um novato na política e, pelo jeito, fraquejou diante da pressão da corporação em Minas. Isso promoveu um efeito enorme de tensão em várias polícias no Brasil", avalia Paes Manso, que teme eventuais futuras mobilizações em outros estados.

Fonte:
dw.com

Gasto em baixa, fila em alta: o que está acontecendo com o Bolsa Família?

Bolsa Família: o auxílio é dado a famílias com crianças de zero a 17 anos em situação de pobreza e extrema pobreza que recebem R$ 178 e R$ 89 por pessoa
© Cristiano Mariz/VEJA
São Paulo — Após uma recessão brutal seguida de uma retomada tímida, é triste mas previsível que o padrão de vida do brasileiro médio tenha caído. Mas por que os mais pobres também sofreram tanto se o país já tinha uma rede de proteção com o Bolsa Família?

Um relatório recente da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que a parcela mais pobre da população sentiu a crise dobrada em relação à média geral dos brasileiros. Em 2015, auge da recessão, a queda média da renda foi de 7%, enquanto a renda dos cinco por cento mais pobres despencou 14%.

O problema deveria ter sido mitigado com o Bolsa Família, que é dado a famílias com crianças de zero a 17 anos em situação de pobreza e extrema pobreza, ou seja, com renda per capita abaixo de R$ 178 e R$ 89, respectivamente.

O valor mensal do benefício varia de R$ 41 para famílias pobres a R$ 89 para as extremamente pobres, mas nem todos que merecem estão recebendo; os relatos são de filas para acesso e queda no número de beneficiários.

Os dados do Banco Mundial mostram que o governo brasileiro foi incapaz de proteger os mais pobres: em 2018, o número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza chegou a 13,5 milhões, o que representa uma alta de 4,5 milhões em relação a 2014.

É considerado em situação de extrema pobreza quem dispõe de menos de US$ 1,90 por dia, o equivalente R$ 145 por mês.

“O país entrou em uma profunda crise que afetou a quantidade e a qualidade de empregos, o que gerou desemprego e informalidade. Nesse momento, o governo deveria ter aumentado a sua rede de proteção social, com o Bolsa Família, mas o caminho foi inverso”, diz Marcelo Medeiros, um dos maiores especialistas do país em desigualdade, hoje professor convidado na Universidade de Princeton.

Além de a cobertura do programa não ter sido expandida durante os anos de recessão e lenta recuperação, a renda familiar mensal per capita de R$ 178 e R$ 89 também não é atualizada há quinze anos, desde 2004. “O governo deixou as pessoas caírem para a pobreza”, diz Medeiros.

Dados disponíveis no Ministério da Cidadania confirmam que não houve aumento significativo na cobertura do Bolsa Família desde o início da crise em 2014.

Além disso houve as perdas reais no valor do benefício do programa, que não foi corrigido segundo à inflação em 2015 (quando a taxa passou de 10%) e em 2017 (já com inflação menor).

A conta chega
Mesmo com a lenta recuperação econômica e a expansão da população pobre, no ano passado o governo desligou 900 mil famílias do Bolsa Família, segundo estimativa do FGV Social.

Mensalmente, equipes do Ministério da Cidadania estão fazendo um pente-fino para identificar beneficiários que não estão mais dentro das regras estabelecidas. Especialistas sustentam, no entanto, que como as rendas estão defasadas e o programa é eficiente e focado, isso não deveria ser prioridade.

“O custo do Bolsa Família para o Orçamento da União é de 0,4% do PIB. Só a previdência é 14%. Ou seja, economizar nesse serviço social vai permitir uma poupança pequena, que vai recair com muita força em cima dos pobres”, diz Marcelo Neri, diretor do FGV Social. Nesse ano, o orçamento previsto para o programa é de R$ 29,5 bilhões, valor que não difere dos anos anteriores.

A conta já chegou: dados do jornal O Estado de S.Paulo mostram que a fila de brasileiros que esperam pelo Bolsa Família chega a 3,5 milhões de pessoas, o que representa 1,5 milhão de famílias de baixa renda.

O gargalo tem provocado um princípio de colapso na rede de assistência social de municípios, sobretudo os pequenos e médios. Sem o dinheiro do programa, a população voltou a bater à porta das prefeituras em busca de cestas básicas e outros tipos de auxílio.

“Estamos de volta a um cenário onde os municípios precisam dar assistência básica, algo que imaginávamos que não iriamos ver mais”, diz à EXAME o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), relator na comissão mista da medida provisória 898/19, que torna permanente o 13º do Bolsa Família.

Em nota, a Defensoria Pública da União, responsável por atender famílias que não conseguem o benefício, afirmou que enviou um ofício ao Ministério da Cidadania esta semana, solicitando informações sobre os motivos do aumento da fila dos beneficiários do Bolsa Família.

Impasse
Diante da ausência de respostas ou propostas do governo federal para o problema da pobreza, deputados e senadores começaram a se mexer. O objetivo principal é garantir, ao menos, a obrigação de reajuste compatível com a inflação.

Desde o ano passado, também está em discussão na Câmara dos Deputados um pacote social que reformularia a rede de proteção com pouco impacto fiscal. A iniciativa foi do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que designou à deputada Tabata Amaral (PDT-SP) a coordenação do projeto.

Um dos pilares é colocar o Bolsa Família na Constituição Federal para evitar que o programa seja moeda de troca política. Outro estudo, também do FGV Social, mostra que os benefícios do programa são ampliados justamente em anos pares, quando ocorrem eleições municipais ou federais.

Outra discussão se dá no âmbito da já citada MP 898/19, que teve sua votação adiada pela quinta vez nesta semana por falta de entendimento sobre as modificações feitas pelo relator. Na versão original enviada pelo governo, a MP garantiu o 13º do Bolsa Família apenas em 2019.

Randolfe Rodrigues, contudo, propõe que o benefício extra vire permanente e seja estendido para o Benefício de Prestação Continuada (BPC), valor de um salário mínimo pago a idosos de baixa renda e portadores de deficiência.

O governo federal também já sinalizou que poderia anunciar mudanças no programa que incluiriam “meritocracia” e a mudança do nome. Manter o que existe funcionando bem já seria um ótimo começo.

Fonte:
Exame.com

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